Arte & mentiras

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Escrito em 1994, Arte & mentiras – composição para três vozes e uma cafetina une três vozes indistintas: as de Handel, Picasso e Safo. Mas aqui Handel é um cidadão que largou a batina para se tornar um cirurgião especializado em câncer de mama. Picasso é uma garota presa a uma trágica história familiar, que encontra na pintura uma válvula de escape. E Safo é, ao mesmo tempo, a mitológica poetisa grega do século VII a.C. e uma angustiada londrina do século XXI, uma pós-beatnik que vive – mal – em um apertado conjugado. E a cafetina é um ser enigmático, que surge em um livro, e traz características das cortesãs de outrora.Dona de um estilo pouco convencional, Jeanette Winterson gosta de "pregar peças no tempo". Arte & mentiras se passa em um futuro imaginário em que o Estado controla a vida das pessoas a um nível quase absurdo. Aqui os valores individuais valem pouco e há uma sensação de opressão, mais sugerida do que anunciada. A ação se dá em um único dia, durante o qual as três vozes da autora viajam de trem pela costa inglesa. Handel é o "condutor da ópera", uma figura tensa e reservada que parece não se adaptar ao mundo moderno. A ele cabe introduzir a "quarta voz": a cafetina surge através de um livro sem capa, do século XVIII, que ele está lendo.Safo exige da autora um exercício extremamente interessante. Sua voz é a mais distinta, beirando a esquizofrenia. Já Picasso é a luta entre o gênero e a criatividade. Em que pesa para um grande artista o fato banal de ele ser homem ou mulher? Jeanette Winterson criou sua Picasso a partir de um trecho de Um teto todo seu, em que Virginia Woolf se pergunta que tipo de vida teria a irmã de Shakespeare se ela fosse abençoada com o gênio do bardo naquele momento histórico. Separadas por capítulos intitulados com os nomes dos protagonistas, as narrativas de Arte & mentiras apontam para um encontro entre estes três destinos, de alguma forma combinados. De fato, a condução dessa sinfonia pode levar o leitor a traçar paralelos com o filme – mais do que com o livro – As horas, inspirado, por sua vez, em Virginia Woolf, não por acaso uma das grandes influências de Jeanette Winterson. A autora acabou de finalizar, para a Vintage Classics, a edição de uma nova fornada das obras de Woolf, com introduções escritas por autores da nova geração da ficção britânica. Considerado pela crítica seu trabalho mais elaborado, Arte & mentiras dá a sensação ao leitor de que Winterson construiu uma máquina do tempo imaginária e nos oferece uma excursão aparentemente sem nexo. Mas, como frisa a autora, "introduções ou apresentações de uma obra literária podem servir como portas de entrada para o trabalho de um autor, mas a única maneira de se entrar de fato em um livro é abrindo a primeira página".